Os impactos do desporto na saúde mental não são novidade. O assunto é cada vez mais abordado pela comunicação social, pelos desportistas e pelo público. Apesar da maior sensibilidade para o tema, a saúde mental em Portugal ainda é um tabu.
O desporto tem impactos positivos na vida dos praticantes e que vão muito além de vantagens físicas, como a perda de peso ou a tonificação do corpo. Conversámos com a psicóloga de desporto Ana Sofia Rodrigues sobre a importância do desporto para a saúde mental dos atletas.
Benefícios do exercício físico para a mente
A psicóloga realça os benefícios mentais do exercício físico. Estes acontecem principalmente a nível cognitivo, melhorando as capacidades de aprendizagem, concentração e raciocínio.
“Quando praticamos exercício, há maior oxigenação do cérebro e, por essa mesma razão, ele torna-se mais funcional. A ligação entre neurónios também é muito mais facilitada e, por isso, há um aumento de capacidade funcional. Todos nós vamos perdendo algumas funcionalidades e, portanto, o exercício entra aqui para combater esta perda que é natural ao longo dos anos. Dentro destas funções cognitivas temos coisas que conhecemos muito bem e falamos diariamente, nomeadamente a capacidade de prestar atenção, a capacidade de memorizar, de resolver problemas, … tudo isto é melhorado com a prática de exercício físico. Não é à-toa que muita gente treina antes do trabalho, exatamente nesta ativação da função cognitiva.”
Em contrapartida, também há quem prefira treinar depois do trabalho. De acordo com a psicóloga, o objetivo é o “de relaxamento, de abrandamento, porque a prática de exercício físico tem uma função muito importante na produção de hormonas da felicidade e bem-estar”.
No fim de 2022, o Reino Unido iniciou um projeto piloto que permite aos médicos prescreverem exercício físico, como caminhadas, corridas e passeios de bicicleta. O objetivo é incentivar à prática desportiva e reduzir o número de casos de doenças cardiovasculares. Questionada sobre a possibilidade de adoção de uma estratégia semelhante no sul da Europa, principalmente em Portugal, Ana Sofia Rodrigues lamenta que seja necessário “chegarmos ao ponto de receitar exercício físico”, mas que, “por ser feita por uma figura de autoridade, pode ser uma estratégia válida”.
A psicóloga lembra a pouca educação preventiva existente em Portugal e as consequências para as pessoas e o país – “(…) nós ainda temos alguma dificuldade em encarar esta perspetiva de longo prazo, de que, se eu praticar exercício físico regular, a longo prazo vou ter menos custos na saúde e em termos de mobilidade. As pessoas vão ter outras formas de mobilidade, vão ter mais funcionalidade.”
E quando o exercício não chega?
A prática de exercício físico não garante o bem-estar mental por si só. Ana Sofia Rodrigues frisa que nem todos os casos são iguais, pelo que, nem sempre o desporto é suficiente. Mesmo funcionado como “antidepressivo” para muitos, há quem necessite de acompanhamento médico, cujo exercício não substitui, apenas complementa – “É muito importante que as pessoas percebam que não podem trocar a medicação prescrita pelo psiquiatra por exercício físico, porque não terá certamente o mesmo impacto e a mesma intenção no processo de tratamento.”
Efeitos negativos do desporto: no pain, no gain?
Ana Sofia Rodrigues alerta para a dificuldade ainda existente em reconhecer o desporto como uma profissão. Por isso, muitos não conseguem associar o burnout à atividade física. No entanto, seja como lazer ou profissão, é algo que “fazemos intensivamente ao longo da nossa semana e pode acarretar algum impacto físico e mental também. Portanto, este cansaço exagerado pode ser tanto físico como mental”.
A que sinais deve prestar atenção? A alteração do comportamento face ao desporto é o sinal mais evidente, tal como afirma a psicóloga: “Os sinais de alerta são a diminuição da sensação de entusiasmo e de energia, portanto, a predisposição para a prática de exercício físico. Sentimentos relativos negativos relativamente ao desempenho, a sensação de que não está a correr bem; não consigo fazer exatamente como foi dito ou como eu pensava que conseguiria fazer. Esta sensação de que não sou capaz ou não sou suficiente. Também alguma desmotivação, em que acabará por chegar ao ponto de não saber porque se submete a isto ou porque continua a ir ao ginásio todos os dias”.
Além destes sinais, é ainda comum o surgimento de “lesões sem explicação aparente”, reflexo de overtraining, e de isolamento social: “O isolamento social também é comum, porquê? Se nós achamos que o nosso desempenho não está bem, não queremos compararmo-nos com os outros, nem que os outros vejam esta falha em nós. Por isso, acabamos também por nos isolar um pouco. Acabamos por fazer este exercício de forma exagerada, mas cada vez mais isolados e sem esta visão externa”.
A atuação dos psicólogos de desporto nestes casos difere, mas é importante perceber o que motiva os atletas a continuarem, para que entendam se vale a pena esse esforço.
“Somos fruto de todos os contextos que nos circundam”
Muitas vezes, não sabemos como canalizar as nossas frustrações, principalmente as que acontecem a nível académico e profissional. Como Ana Rodrigues explica, tal acontece porque não nos conseguimos desligar das várias vertentes das nossas vidas, já que “somos fruto de todos os contextos que nos circundam”.
Assim sendo, “é mais do que natural que haja essa transferência e que as coisas se vão influenciando. Eu trabalho com muitos atletas jovens que estão ainda em fase de estudar. Jovens que estão a preparar-se para o alto rendimento, portanto, que já têm uma carga muito intensa de treino e que têm de lidar com uma carga de escola que não é pensada para o alto rendimento. E, portanto, é mais do que natural que, se teve um dia inteiro de aulas, das nove às seis da tarde, com uma avaliação que lhe correu mal, recebeu um teste em que a nota não era a esperada, obviamente que isto depois, ao fim do dia, vai ter impacto no seu trabalho. Não dá para separar aqui as coisas. Esta influência vai de arrasto”.
E como se pode lidar com esta questão? A psicóloga em desporto explica que é importante “incentivar a comunicação”, nomeadamente com o treinador. Isto permite que “os níveis de stress baixem” e não exista “cobrança” própria para aquele treino em concreto.
Todavia, Ana Rodrigues destaca que esta transferência de sentimentos também tem aspetos positivos. As competências adquiridas no desporto, como a organização do tempo, podem ser utilizadas noutros contextos, como no trabalho e na vida pessoal.
É necessário encontrar um equilíbrio que permita aos atletas, profissionais ou amadores, desfrutarem da atividade física que praticam, seja num ginásio, num clube ou ao ar livre. O objetivo é que o desporto potencie uma vida mais saudável em todas as suas vertentes e nunca que provoque situações de mal-estar físico e psicológico.